quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Labaxúrias x Dialektos

Reprodução do artigo feito para a página Teologia Reformada:


Minha intenção com esse post é refutar as “línguas estranhas” que os pentecostais de hoje insistem em defender. Já adianto que não pretendo com isso por um fim a essa controvérsia, pois sei que por mais que se prove que um balão é vermelho, quem quiser acreditar que a cor na verdade é verde, continuará a ver o balão vermelho como se fosse verde. Também não tenho nenhuma pretensão em afirmar que detenho a verdade, pois, isso seria blasfêmia. Mas garanto que qualquer pessoa sensata chegará à mesma conclusão que a minha! Minha única pretensão com este artigo é auxiliar àqueles que buscam uma compreensão melhor sobre o que é o verdadeiro dom de línguas. Assim como eu já fui beneficiado com estudos similares, almejo com esse post alcançar a quem o ler com sinceridade de alma e também beneficiar àquele que apenas busca entendimento!

É mais que notório que as línguas que os pentecostais defendem nos dias de hoje não é o mesmo “dom de línguas” bíblico. Pois, está mais que evidente que o dom de línguas que aconteceu em Atos capítulo 2 eram dialetos. Para defender e fundamentar minha posição, farei uma análise dos textos em grego e... antes que venha alguém aqui me criticar e objetar pelo simples fato de que eu não tenho um profundo conhecimento de grego - o que é verdade, pois não sou doutor, muito menos professor - adianto que: importa apenas a dedicação e o esmero em identificar as palavras, procurar o uso, o histórico e o significado dos termos... saber quantas vezes e de que forma foram usados nas Escrituras Sagradas também é de suma importância. Para isso, não é necessário um diploma em grego... basta tempo e dedicação!
Portanto, farei essa análise abordando apenas os textos com maior proeminência. Dividirei este estudo em duas partes, nesta primeira parte examinarei sobre as línguas idiomáticas em Atos 2 e 1Coríntios 12. Na segunda parte, que será em outra postagem, abordarei 1Coríntios 14.


Atos 2.4
“[...] e passaram a falar em outras línguas [...]” - ARA
“[...] ηρξαντο λαλειν ετεραις γλωσσαις [...]” - TR
“[...] et coeperunt loqui aliis linguis [...]” - Vulgata
“[...] and began to speak with other tongues [...]” - KJV
“[...] y comenzaron á hablar en otras lenguas [...]” - RV
“[...] e começaram a falar noutras línguas [...]” - NVI

Podemos notar que a palavra “heterais” (ετεραις), plural de “hetero”, é traduzido de forma correta para “outras” seja em latim, inglês, espanhol ou português. A princípio, não há nenhum problema aqui, pois, claramente lê-se que Lucas escreveu que os discípulos passaram a falar em “heterais glossais” (outras línguas/ετεραις γλωσσαις) e, é claro que - pelo próprio contexto de Atos 2 - infere-se que Lucas não escreveu sobre “línguas de anjos” ou mesmo de “línguas não-idiomáticas”. Isso pode-se ser observado ao se usar, pelo menos, 2 princípios hermenêuticos: contexto e coesão textual.

a) Contexto: Enxergar At 2.4 pelo prisma de At 2.6
Lucas escreve em At 2.6 que “[...] cada um os ouvia falar na sua própria língua” onde “língua” é “διαλεκτω” (dialekto)... termo muitíssimo conhecido cujo sinônimo é: idiomas.

b) Coesão Textual:
Se sabemos que os apóstolos falaram em “heterais glossais” e que seus ouvintes receberam em seus próprios “dialektos”, concluímos que da boca dos apóstolos saíram sons desconexos e sílabas sem sentido como: “cantalabaxúria decovas nébias sherebecanto, manto devassas rúbidas nébias”. Essa afirmação é absolutamente ilógica não acham? Pois então, isso é coesão textual, não posso imputar ao texto um sentido que o contexto não permite! Se os ouvintes receberam o evangelho em seus próprios dialetos, ou em suas línguas maternas, então significa que os apóstolos falaram em línguas idiomáticas!

“E como os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna?”
Atos 2.8 - ARA

Quanto a essa conclusão, creio que qualquer cristão sincero e qualquer pentecostal sincero, concorde e confirme na mesma harmonia que os reformados: as línguas de Atos são línguas idiomáticas!
Agora que “chovi no molhado”, vamos a 1Coríntios12, e examinar a ocorrência de “línguas” nesta carta, usando o mesmo critério e o mesmo cânon usado aqui em Atos 2.



1Coríntios 12.10

“[...] a um, variedade de línguas [...]” - ARA
“[...] ετερω δε γενη γλωσσων [...]” - TR
“[...] alii genera linguarum [...]” - Vulgata
“[...] to another divers kinds of tongues [...]” - KJV
“[...] y á otro, géneros de lenguas [...]” - RV
“[...] a outro, variedade de línguas [...]” - NVI

Essa é a primeira vez que o termo “línguas” é escrito por Paulo em sua primeira carta aos Coríntios. Se observarmos o contexto, notaremos que Paulo está falando sobre dons espirituais [1Co 12.1] e quanto a isso não haverá dúvidas, muito menos divergências.

Agora, o que faz alguém dizer que o dom espiritual de 1Co 12.1-12 é diferente do que foi manifestado em Atos 2 apenas no que se refere às línguas? A resposta é simples: pós-verdade! E contra isso não há remédios a não ser o próprio Espírito Santo!

Ao analisar as palavras usadas para construir a sentença, pode-se aferir que para o vocábulo “variedades” Paulo usou “γενη” (gene). Tanto a Vulgata como a Reina Valera (RV) faz a tradução de “gene” de forma impecável, pois, “γενη” é “genera” na Vulgata e “géneros” na Reina Valera. Isso é algo assaz valioso, pois, sabe-se que “gene” pode ser traduzido para: família, tipo, prole, raça, tribo, nação... Não parece uma “cambalhota” exegética afirmar que Paulo esteja se referindo a “línguas não-idiomáticas”? Será que haveria outra oportunidade de Paulo escrever “γλωσσαις αγγελων” (línguas de anjos) ou “πνευματικοις γλωσσαις” (línguas espirituais) ou até mesmo “αγνοειν γλωσσαις” (línguas desconhecidas)?

Contudo, Paulo escreveu: “γενη γλωσσων”. O que os Coríntios, os verdadeiros destinatários desta carta, deveriam entender por “gene glosson”? Acaso eles pensaram: “Paulo está nos dizendo que o Espírito Santo outorgou a nós, homens mortais, o linguajar dos anjos que é incompreensível aos homens”? Isso seria um grande vacilo exegético! É impossível que Paulo esteja falando de “línguas incompreensíveis” a menos que o meu “ego” queira interpretar dessa forma, e aí está a pós-verdade!

Finalizarei esta parte usando o mesmo critério usado em Atos 2, pelo menos duas ferramentas hermenêuticas para corroborar essa posição - de que Paulo também está se referindo a línguas idiomáticas. As ferramentas serão: a) interpretar a Bíblia com a Bíblia, ou seja, usar uma passagem mais simples para extrair o significado de uma mais complexa. E: b) coesão textual.

a) Bíblia interpreta a Bíblia:
Ora, se alguns “mestres” afirmam que Paulo falava de línguas estranhas em 1Co12, então o ônus da prova é destes que fazem tal asseveração, pois, antes de 1Co12 temos Atos2, e sabemos que Atos2 se refere ao dom de “línguas idiomáticas”, ou simplesmente dialetos. Quando uso a porção de Atos2 como um óculos para enxergar melhor 1Co12 compreendo, então, perfeitamente o que Paulo está dizendo. Paulo está se referindo a “gêneros idiomáticos” e não a “labaxúrias”. Pois, se ele estivesse se referindo a línguas “incompreensíveis”, necessariamente deveria ensinar de forma mais profunda, usando substantivos e adjetivos adequados, para que os próprios coríntios, e nós hoje, pudéssemos compreender este texto sem nenhuma dúvida. Logo, o problema não está no que Paulo escreveu, e muito menos na hermenêutica de quem defende as línguas “idiomáticas”... O problema mora no “ego” e nas “experiências individuais” de quem defende o contrário... resumindo: Atos2 + 1Co12 = línguas idiomáticas.

b) Coesão Textual:
Não seria inconcebível e absolutamente incoerente eu afirmar que “γενη γλωσσων” (gene glosson) significa, aqui em 1Co12.10, línguas “incompreensíveis”? Se assim fosse... o texto não faria sentido... porquanto, Paulo usa não usa qualquer adjetivo para qualificar ou modificar “γλωσσων”, nem aqui e nem em qualquer outro lugar da carta de 1Coríntios. Vale lembrar que Lucas foi um fiel companheiro de Paulo em suas viagens... Será que Paulo realmente registrou um dom de línguas extraordinário e “estático”, fazendo uso da palavra “gene” para se referir a essa “língua desconhecida”? A coesão textual não permite esse tipo de interpretação. Desconsiderando a coesão textual eu poderei fazer do texto o meu pretexto!
 
#SoliDeoGloria



Samuel F Silveira


P. S.: as versões usadas foram - Almeida Revista e Atualizada (ARA), Texto Recebido (TR), Nova Versão Internacional (NVI), Vulgata Latina, King James Version (KJV) e a Reina Valera (RV)

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